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As transformações no mercado e no consumo da fotografia na era digital.

Principais pontos abordados

  • Uma breve história da fotografia;
  • Mercado atual da fotografia;
  • Instantaneidade e banalização dos momentos;
  • Conclusões.


1. Introdução

O presente trabalho pretende discutir a relação entre o consumo e a instantaneidade banalizada dos registros fotográficos nos dias de hoje, fazendo um paralelo com o passado nos “tempos de ouro” da fotografia. Abordaremos também a tendência digital atual da captura em tempo real e transmissão por streaming, configurando a volatilidade e imediatismo da era digital.
Nossa contribuição parte da discussão de conceitos como a adaptação do usuário aos inventos de sua época, identificação, status, e novos hábitos de consumo que referenciam a evolução da fotografia com principal mídia de comunicação.

2. Uma breve história da fotografia


No futuro, não serão considerados analfabetos apenas aqueles que não sabem ler, mas também quem não entender o funcionamento de uma máquina fotográfica.
fotógrafo húngaro László Moholy-Nagy, 1936, apud BUSSELLE, 1979, p. 7

Com esta citação, Busselle abre o seu clássico livro sobre técnicas de fotografia escrito em 1979. Desde sua invenção, a fotografia tornou-se tão ou mais importante que a comunicação escrita, sendo difundida por todo o mundo. Seja com status de arte, seja como elemento primordial em nossos meios de comunicação (por vezes as duas situações juntas), a fotografia faz parte de nossas vidas como vislumbrado por poucos no começo do século XX.


A primeira pessoa no mundo a tirar uma verdadeira fotografia – se definirmos como uma imagem inalterável, produzida pela ação indireta da luz – foi Joseph Nicéphore Niepe, em 1826. Ele conseguiu reproduzir, após 10 anos de experiências, a vista descortinada da janela de sótão de sua casa, em Chalons-Saône.
BUSSELLE, pg. 30

Niecepe, em 1816, trabalhava com litogravuras e a três anos já vinha se dedicando a invenção de artefatos. Interessava-se particularmente, pela produção de imagens por processos mecânicos que se davam através da luz. Por volta de 1826 ele já conseguia realizar experimentos como a fixação de imagens precárias e de baixa resolução em chapas, após longas exposições de 8h ou mais. Contudo aquele sistema era muito precário. Foi Louis Daguerre, em 1835, quem fez novas descobertas que possibilitaram a obtenção de uma imagem “revelada” mais rápida e com melhor definição. Em 1837 ele já havia padronizado todo o processo, e em 1839 vendeu sua invenção ao governo Francês.
A partir daí a fotografia seguiu uma evolução constante, como a melhora da sensibilidade das chapas, a melhora das lentes e a correção do posicionamento das imagens com a utilização de prismas acoplados às objetivas. Em paralelo, outros inventos e melhoramentos ocorriam, como os de Josef Petzval, um matemático húngaro radicado em Viena, que foi o autor de uma nova lente dupla, que era trinta vezes mais rápida do que as comumente empregadas. Desse modo, em 1830, ele conseguiu diminuir drasticamente os tempos de exposição para capturas das imagens.
Temos então 190 anos desde o primeiro registro fotográfico realizado, e como era de se esperar, aconteceu uma revolução nas artes e na comunicação. Os registros históricos, as notícias e as memórias das famílias aristocráticas, agora poderiam ser registrados com muita fidelidade.


Após a primeira exposição das obras de Daguerre teve inicio a grande polêmica sobre a fotografia: deveria ela competir com a pintura e seria, de fato, uma forma de arte? A princípio, os fotógrafos pareciam dar-se por satisfeitos com o mero registro daquilo que viam, porém os adeptos da interpretação logo começaram a fazer experiências com diversos estilos, onde imitavam a pintura da época (…) Cabia a nova técnica reproduzir ou interpretar? Seriam válidos os novos métodos de manipulação? A fotografia era um veículo de comunicação gráfica ou uma forma de arte?
BUSSELLE, pg. 34

Como todos os novos inventos da humanidade, a fotografia foi privilégio de poucos abastados da elite, e despertava muita curiosidade neste meio. Caricaturistas, pintores e artistas adaptaram seus ofícios e realizaram as primeiras experimentações. Reprodução de obras clássicas da época renascentista, trabalhos com influências impressionistas, retratos de pessoas ilustres e fotografias naturalistas foram alguns dos primeiros usos da fotografia.
Entre 1845 e 1890 a fotografia estava na moda, e presente em diversas galerias de artes em Nova York e em Londres. A chapa úmida permitiu que os artistas explorassem diversas possibilidades e saíssem do anonimato. Era possível fazer nelas manipulações, alterar cores e texturas, de modo que a “fotografia criativa” atingiu seu auge, até a aparição da chapa seca e a popularização da fotografia, onde, mais uma vez, o status de arte foi questionado.


Se o mérito de tornar os prazeres da fotografia acessíveis ao público cabe a uma única pessoa, ela é, incontestavelmente George Eastman.
BUSSELLE, pg. 36

Foi no planejamento de suas férias, em 1877, que Eastman adquiriu seu interesse pela fotografia. Ele adquiriu seu primeiro equipamento necessário à realização de fotos e tomou aulas com profissionais. Frustrou-se ao achar o processo confuso e trabalhoso, e um tanto desnecessário o tamanho dos equipamentos, o qual citou seu volume dizendo necessitar de uma “mula de carga” para carregá-lo. Foi assim que começou a estudar e a realizar experimentos para simplificar as reproduções das imagens. Por volta de 1880 Eastman já produzia e vendia sua própria produção, fundando assim a empresa Eastman Dry Plate Company (Cia de chapas secas).
anexos2
Em 1884, William H. Walker ingressou na companhia como fabricante de máquinas fotográficas e juntos eles produziram um equipamento que juntava as placas secas com a máquina compacta (para os padrões da época), e que seria suficiente para 24 exposições fotográficas. Fundaram assim, em 1886, a Kodak.
Neste momento iniciou-se de fato a popularização da fotografia. Cada vez mais, Eastman evoluía seus inventos para que mais e mais pessoas tivessem acesso a fotografia e a revelação destas imagens.

Com o pós-guerra e o desenvolvimento do capitalismo, a mídia impressa (principalmente jornais e revistas) além de serem canais para divulgação de notícias, começavam a explorar as imagens para divulgar novos produtos, expandir e consolidar a moda da época. De certa forma, podemos compreender o crescimento do consumo como sendo também um reflexo destas mídias, pois a publicidade criava padrões e necessidades onde antes pouco se imaginava, a exemplo da Gillette e o hábito de barbear dos homens e da depilação das mulheres ( ANEXO I ). Na fotografia, a Kodak que foi pioneira neste mercado, unia as 2 coisas em campanhas por todo o mundo ( ANEXO II ).

3. Mercado atual da fotografia

Vivemos agora na era da informação, da internet… e a quase 20 anos tivemos a ascensão das câmeras fotográficas digitais. Com meio século de domínio no mercado de câmeras de filme, as grandes empresas como Kodak, Canon e Nikon viviam tempos de excelente avanço quando adaptaram seus clássicos equipamentos à era digital. Foi um boom de vendas tanto nas câmeras compactas, quanto nas DSLRs (Digital Single-lens Reflex – câmeras semi-profissionais e profissionais). Já tínhamos desde meados dos anos 2000, o celular como acessório mandatório para nossas comunicações, porém, quando surgiram os recursos fotográficos nos mesmos, deixavam muito a desejar em qualidade. Hoje, quase 10 anos depois, esse quadro se inverte.
Com o surgimento dos smartphones, ocorreu uma queda nas vendas de câmeras compactas digitais e agora, com a melhora nos hardwares das câmeras fotográficas em smartphones, também o mercado de câmeras profissionais , começa a perder espaço. Empresas como Canon, Nikon e Fujifilm despencam nas vendas de suas DSLR’s, e no ano de 2013 tiveram uma queda estipulada de 10 a 15% a cada trimestre.


O momento em que os smartphones começaram realmente a derrubar as vendas de câmeras digitais compactas foi com o lançamento do iPhone 4 e iPhone 4S – alguns dos primeiros e mais populares smartphones que usaram o que é chamado um sensor iluminado-traseiro (backside-illuminated sensor). A tecnologia, na verdade, fabricado pela Sony Corp., aumentou dramaticamente a quantidade de luz que pode ser captado por um sensor de câmara de um dispositivo de tamanho de smartphones, e resultou em imagens que eram mais brilhantes, cores mais precisas, e de qualidade semelhante a de uma câmera point-and-shoot.
BRAGA, 2013.

Os grandes fabricantes de câmeras continuam apostando em qualidade de imagem elevada para agradar os seus consumidores. Agora esses mesmos consumidores estão dando atenção a outros fatores como: conectividade, diversão e facilidade de compartilhamento de imagens.
Devido a multiplicidade do uso destes equipamentos, hoje o mercado conta com inúmeros modelos e tipos de câmeras. Os modelos profissionais, que fazem utilização de várias lentes e equipamentos acessórios. Câmeras “point-and-shoot”, que são perfeitas para viagens e que prezam pela qualidade. Temos também o mercado das câmeras de esporte e aventura, como a GoPro, que possui horas de espaço para registro de vídeos e fotos, e transmite as imagens em tempo real para outros dispositivos via wi-fi, sendo possível até transmiti-los via streaming na internet. Recentemente, na feira de inovação tecnologia CES 2016 ( Consumer Technology Association ) realizada em Los Angeles, a Nikon apresentou seu novo modelo: a KeyMission 360, para realização de fotos e filmes em 360 graus, que irá concorrer diretamente com a GoPro por seus consumidores.
Com tanta novidade no mercado, muitos consumidores, na ânsia por adquirir produtos cada vez melhores e “de ponta”, esquecem-se de estudar sua real necessidade e adquirem equipamentos inadequados ao perfil deles. Alguns destes destinam-se a usuários avançados, e seu uso pode ser um martírio para os leigos. Sobre esse consumo descabido e essa necessidade criada pelo indivíduos, Pinheiro fala:


(…), o consumo é um processo cuja significação social está em proporcionar uma referência para a construção da identidade social dos indivíduos, posto que a posse dos produtos define a posição social do consumidor, tanto em relação aos seus pares quanto em relação à sociedade como um todo.
PINHEIRO, 2004, pág.19.

Ao refletirmos sobre a sociedade do consumo, percebemos que somos levados, inevitavelmente a vivenciar com rapidez as situações e os produtos, para que estes cedam espaço aos novos que virão. É assim na moda, na informática, nas comunicações e no mercado de mídias (áudio, foto, vídeo). Para estarmos atualizados, precisamos ter sempre o mais novo modelo, viver conectados, e ter os melhores equipamentos cada vez rápidos de com melhores capacidades. Não é a toa que os smartphones, a capacidade de armazenamento dos cartões de memória e os megabytes de pixels capturados pelas câmeras digitais rapidamente ficam defasados ano a ano. A tecnologia evolui muito rápido e somos levados a pensar estarmos sempre atrasados em relação a qualidade dos novos produtos, gerando um grave descontentamento.
Parte deste sentimento de insatisfação deve-se ao grande volume de informações proporcionada pela evolução da internet, que trouxe uma nova realidade e nos deixou um vazio: os indivíduos têm excesso de informação ao seu alcance, que não corresponde com o pouco tempo que dispõem para consumi-la. Por esta razão, uma espécie de depressão se forma dentro dos sujeitos quando não é atendido o sentimento de urgência que desenvolvem. Eles querem poder consumir tudo ao seu redor e não consumir seu tempo conjuntamente. (VILLAÇA, 2010)

Vivemos uma “tirania do momento”, e para explicar este conceito Bauman (2008) cita Thomas Hylland Eriksen em seu livro, sendo esta uma das características mais marcantes da sociedade contemporânea:


As consequências da pressa extrema são avassaladoras: tanto o passado quanto o futuro como categorias mentais são ameaçados pela tirania do momento… Até o “aqui e agora” é ameaçado, já que o momento seguinte chega tão depressa que se torna difícil viver no presente.
ERIKSEN apud BAUMAN, 2008, pág.134.

Ansiamos pelo novo a todo instante. Não só por fatores da evolução técnica dos produtos ou for características estéticas, mas pelo meio social em que vivemos. Querem sempre ter o melhor, sempre estar “in” com as tendências que são divulgadas nas redes sociais. Queremos fazer parte disso e principalmente: colaborar com ela.

4. Instantaneidade e banalização dos momentos


A maioria das pessoas fotografa por um desses dois motivos: ou pretendem registrar, a título de interesse, os acontecimentos corriqueiros e extraordinários de suas vidas, ou têm intenções mais sérias e o desejo de expressar sentimentos íntimos para os quais as palavras mostram-se insuficientes.
BUSSELLE, pg. 07.

As palavras acima foram escritas em 1979, e de lá pra cá os valores da fotografia mudaram muito. Hoje é banal e corriqueiro o ato de fotografar. Fazemos isso a todo o instante sem nem nos darmos conta. Fotografamos para nos lembrarmos de viagens, eternizar momentos em família, para postar o seu almoço no Instagram e até mesmo checar se a maquiagem esta em ordem no meio do trajeto do ônibus. Estes foram somente alguns efeitos que a digitalização da fotografia, os smartphones e a internet nos trouxe.

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Independente dos objetivos do consumidor, temos na fotografia a principal função de auxiliar na memorização e divulgação dos momentos. A velocidade da transmissão da informação é muito alta e os momentos acabam tornando-se efêmeros. Mesmo com a transformação da sociedade, o homem sempre busca registrar sua história e suas memórias. A diferença é que hoje isso precisa ser divulgado, ser passado adiante.
A cada dia surgem outras formas de interação e novas redes sociais, sendo as imagens e os vídeos fundamentais para isso. Dentre tantas redes sociais e apps de comunicação, cada uma com suas particularidades e objetivos, uma se destaca no meio do público mais jovem: o Snapchat.
Criado em 2011, o Snapchat surgiu quebrando os paradigmas dessas redes de comunicação até então. Sua principal característica é a auto destruição das mensagens, que vão apenas nos formatos de fotos e vídeos, sendo o recurso de texto disponível apenas para adicionar algumas palavras com à mensagem. Além de fotos, o app preza pela criação de pequenas histórias com duração de no máximo 10 segundos e sendo as mesmas sendo apagadas após 24h desde sua publicação. Outra característica fundamental é o não acesso a fotos previamente produzidas ou editadas. Tudo tem que ser feito em tempo real, apenas com os recursos disponíveis no programa.
Apps como o Snapchat e Whatsapp utilizam-se de imagens apenas para a comunicação, passando longe de prezar pelo mérito e qualidade fotográfica. Outras redes como o Instagram, tem o foco diferente e tenta transformar qualquer usuário em fotógrafos “profissionais” e “artísticos”. Sua edição de imagens traz filtros que imitam os efeitos de fotografias antigas ou processos de cor que seriam frutos de técnicas avançados de revelação. Efeitos estes que esta nova geração não vivenciou e tão pouco sabe de onde surgiram.
A fotografia como expressão artística, vem entrando novamente em decadência. Mais uma vez, o ciclo da popularização de novas tecnologias, põe em xeque o valor artístico destas imagens e o mérito de quem as toma. Isso se deve a popularização da digitalização, a propagação em massa e a falta de originalidade. Na era Digital, o novo torna-se difícil de ser visto e é, facilmente, questionado, copiado e manipulado.
Acerca dos rótulos e significados da fotografia, Barthes cita em seu livro A Câmara Clara:


A sociedade procura tornar a fotografia sensata, temperar a loucura que ameaça constantemente explodir no rosto de quem a olha.
BARTHES 1980, p.172.

O autor levanta esse processo de significação através de dois fatores: (a) rotulando a fotografia com o status de arte e (b) banalizando-a totalmente. No primeiro por uma insistência da sociedade em rivalizar o fotógrafo com o artista, submetendo a retórica do quadro e seu modo sublimado de exposição. O outro, por torná-la sensata, generalizá-la, banalizá-la, a ponto de não haver mais diante dela nenhuma outra imagem em relação a qual ela possa marcar-se e diferenciar-se.


Louca ou sensata? a fotografia pode ser uma ou outra: sensata se seu realismo permanece relativo, temperado por hábitos estéticos ou empíricos; louca, se esse realismo é absoluto e, se assim podemos dizer, original (…)
Essas são as 2 vias da Fotografia. Cabe a mim escolher, submeter seu espetáculo ao código civilizado das ilusões perfeitas ou afrontar nela o despertar da intratável realidade.

BARTHES 1980, p.175.

Indepentende dos rótulos, a fotografia de nossos tempos é uma das mais importantes ferramentas de comunicação a se transformar e se adaptar ao meio digital. A valoração da mesma pode mudar dependendo de diversos fatores e, principalmente, do público que a consome. Quem viveu na era da fotografia analógica tem até hoje um olhar diferente sobre o ato de fotografar. E quem já nasceu na era digital, a tem como rotineira e banal, muitas vezes até desconhece seus principios técnicos para efetuar um bons disparos.

5. Conclusões


O que caracteriza as sociedades ditas avançadas é que hoje essas sociedades consomem imagens e não crenças, como as do passado; são portanto, mais liberais, menos fanáticas, mas também mais ‘falsas’
BARTHES 1980, p.175.

Apesar de todas as mudanças, o princípio básico da fotografia ainda é o mesmo e possivelmente não será alterado tão cedo: captar e usar a luz para reproduzir imagens. Sua finalidade é alterada a todo instante, e a verdade por trás de cada imagem é a que o fotógrafo deseja passar. Nossa sociedade sabe bem como a usar ao seu favor, seja na publicidade ou para as relações interpessoais. Por outro lado essa “verdade” é muitas vezes mascarada ou travestida conforme os objetivos da mensagem que deseja ser passada.
Como diz o ditado popular: “uma imagem vale mais que mil palavras” temos sempre que estar atentos e questionar a veracidade da informação que grita aos nosso olhos. Assim como as palavras que pode ser reinterpretadas, as imagens também podem ser re-contextualizadas e pior, serem editadas e manipuladas através de ferramentas de edição. Temos que ter sempre o olhar crítico para não sermos ludibriados.
Os métodos e a forma de usar as imagens vai mudar e se transformar sempre, porém cabe a nós aprender com a sua história e fazer o bom uso dela.


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Cadeira: Fundamentos em Design, Tecnologia e Cultura – MD 926
Profª. Drª Kátia Araújo
Aluna: Virgínia Carrazzone Cavalcanti
Data: 12/01/2016

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